"A vida é um ato de fé de todos os instantes."

Raul Brandão

Uma história sobre uma ponte, nestes que são os dias dos muros. Uma história sobre travessias e caminhos, nestes que são os dias dos atropelamentos e das invasões. Olhar para a ponte do ponto de vista do rio. Olhar para o céu do ponto de vista da terra. Olhar para mim do ponto de vista do outro. Enquanto as estrelas, indiferentes, olham para nós, do ponto de vista do tempo - para nós que somos instantes.

Nesta história inventada, Menina Úrsula e Sr. Lapita, duas personagens fictícias, inspiradas nas obras do escritor Raul Brandão e do pintor Henrique Pousão, são colocadas na antiga barca que permitia a travessia do Rio Mira – ambos já mais fantasmas que gente – como todos os que se vão desumanizando nas suas esperas e confinamentos - condenados a permanecer na barca. Conta a História que na antiga barca de Odemira, os passageiros pagavam a travessia com uma oração por alma da benemérita fundadora, mas nesta história, uma vez construída a ponte e perdendo a barca a sua utilidade, como se salvam as duas personagens quando já ninguém atravessa o rio pela sua fé?

Construir uma ponte. Ligar dois lugares antes separados. Aproximar. Chegar mais perto. Chegar à outra margem. Ver a partir da outra margem. Perder tempo a olhar.

Ver-me pelos olhos do outro - o sonho é matéria quando nos vemos nos olhos de alguém.

Um teatro de imagens poéticas, onde o Rio Mira é o fio de ariadne destes que o sobem e descem qual Sísifo. Um universo de fantasia num teatro plástico de representações e metáforas que transcendem o sentido da condição humana, tão absurda e cruel quanto maravilhosa.

Sónia Barradas